by Sandra Veiga
Quando pensamos qual a motivação que leva um casal a mudar para um país estrangeiro, abrindo mão da sua lingua materna, cultura, familia e profissão abrimos espaço para um grande debate. Com 20 anos de América, posso dizer, por experiência própria e com acompanhamento clínico de familias imigrantes, seja qual for a razão que leva um casal a tomar a decisão de mudar, a unidade e a forma como eles irão encarar os desafios farão toda a diferença.
São vários os fatores que levam um casal a imigrar para um outro país, entre eles: realizar um sonho de juventude; prosperidade financeira; segurança; melhor condições de vida e estudo para os filhos; uma nova chance para o relacionamento conjugal; oferta de trabalho ou transferência pela empresa que um dos cônjuges trabalha etc. Tais são realmente convincentes e motivadores. O que a maioria dos casais não sabe ou não acredita que pode acontecer é o impacto que uma mudança provoca no relacionamento.
De acordo com uma pesquisa, nos últimos 10 anos, ʺa população imigrante brasileira continuou a crescer no início dos anos 2000 e depois se estabilizou por cerca de uma década. Entre 2014 e 2017, voltou a crescer, refletindo as difíceis condições do país, incluindo uma recessão de 2013 que foi acompanhada por alto desemprego e inflaçãoʺ(1) . A mudança de país rompe os laços familiares. Para a cultura latina, isso acaba sendo um choque cultural. A família brasileira é muito achegada, mesclada, todos estão envolvidos, reunem—se em finais de semana, filhos ficam com os avós enquanto os pais trabalham e uns ajudam os outros.
Um casal imigrante vive um isolamento nos primeiros meses até que se forme um ciclo social e mesmo assim enfrenta o desafio com relação a deixar os filhos no ʺextended dayʺ ou com ʺbaby sitterʺ, se ambos os pais trabalham. Geralmente os primeiros trabalhos conquistados são na área de construção e limpeza, os quais são dignos e com boa remuneração, mas o cansaço no físico final do dia tem um peso significante na vida do casal, principamente quando as tarefas de casa não são compartilhadas.
Se nos primeiros meses o casal percebe
que não atingiu os objetivos determinados, especialmente na área financeira, e começa a passar por dificuldades a tendência é um dos cô
njuges culpar o outro pela decisão da mudança e desejar retornar ao Brasil. Já atendi casos em que famílias precisaram morar em um quarto, como ʺroomatesʺ para diminuir as despesas, privando tanto o casal como os filhos de viver com liberdade e em um ambiente saudável.
Alguns cenários já vivenciados por exemplo, é o da família que muda com a intenção de realizar um investimento no país. Financeiramente estão bem, mas o marido precisa ficar parte do tempo no Brasil para manter seus negócios, ou o da mulher que abre mão do seu trabalho no Brasil para acompanhar o marido com a intenção de restaurar o relacionamento. E quando não há trabalho para o imigrante, principalmente para o homem o
u se a remuneração ou posição profissional do homem é inferior ao da mulher? Ciúmes é gerado, bem como sentimento de inferioridade da parte do homem, além do empoderamento e controle da parte da mulher. Desdobramentos em função deste cenário podem ser observados, tais como consumo de álcool ou drogas como forma de escape ou fuga da realidade e até mesmo violência doméstica. Conflitos não resolvidos no Brasil são transferidos para o outro país e a probabilidade de resultar em um divóricio é grande, principalmente se a mulher consegue a sua independência financeira. Os conflitos precisam ser reconhecidos e tratados independente da mudança.
Cobrar ou culpar o cônjuge pela decisão em deixar uma
profissão no Brasil não melhora a situação, ao contrário, é mais uma brasa acessa para incendiar a crise no casamento.
Neste quadro do casal que migra para os EUA, é importante levar em consideração dois aspectos:
1. Se o casal é jovem, sem filhos e quer realizar este sonho para construir um patrimônio para um futuro planejamento familiar, é importante estabelecer valores e princípio no relacionamento conjugal; fazer um planejamento com metas realistas e datas a serem cumpridas. Se há alguma área de conflito no relacionamento conjugal, não ʺacumular a sujeira debaixo do tapeteʺ, achando que poderá sacudi-la em peno vôo para os EUA. Trabalhe os pontos fracos do relacionamento; priorizar um ao outro e certificar que ambos estão confortáveis com as decisões tomadas. Na chegada ao país, o casal precisa estar unido, sem deixar dominar-se pelo encanto da conquista material e nem dar passos em falso adquirindo dívidas; relacionar-se com casais brasileiros para minimizar o distanciamenteo e saudades, e buscar grupos de apoio. É muito comum igrejas imigrantes serem referências e apoio emocional para as famílias. Há uma grande chance e probabilidade de casais jovens serem bem sucedidos quan
do fortalecem seus vínculos, respeitam um ao outro e aprendem a delimitar o tempo de trabalho , bem como trabalharem juntos os alvos financeiros. Transparência na comunicação, tempo para lazer e o cuidado pessoal são fatores chaves para o sucesso nesta decisão.
2. Se o casal já vem migrar com filhos, a atenção e planejamento devem ser redobrados, assim como uma reserva financeira. As crianças se tornam vítimas e vulneráveis quando vivenciam os conflitos gerados pela mudança mal planejada. Filhos não seguram casamento. Podem prolongar a crise no relacionamento mas sofrem as consequência por viverem numa estrutura disfuncional. Se um dos motivos principais do casal em mudar para os EUA é oferecer melhores condições de vida aos filhos, isso inclui qualidade de tempo na família, a qual, na maioria das vezes é ignorada. Filhos não são comprados com video games, Iphones ou Ipads. Filhos precisam da presença dos pais, do acompanhamento na escola, do afeto e de um ambiente saudável no lar. Lembrem-se que os filhos não pediram para mudar, eles também precisam de adaptação, sentem falta dos avós e da família no Brasil. É preciso planejar bem, considerar todos os desafios e saber administrar o tempo de trabalho com da familia.
Sim, este é um país de oportunidades, ainda que nos últimos anos, a política tem se estremecido, a pandemia mudou a realidade do mundo, mas como diz o sábio ditado, a oportunidade a gente é quem faz.
Há algumas regras de outro para o casamento, independente da mudança de país: nutrir o amor e a admiração um pelo outro; estar voltado um para o outro ao invés de dar as costas; aceitar e respeitar a opinião do cônjuge; resolv
er os problemas que tem solução e superar os impasses; criar significado na vida em comum ( John Gottman) (2)
Atitudes contrárias como a reclamação contínua, negatividade, críticas, discussões infindáveis que só aumentam a tensão, a perseguição e distanciamento são agentes nocivos ao casamento cujo estrago pode ser irreparável.
O casal deve pensar que a família é o maior patrimônio que se deve preservar na América. Não há preço, nem conquista material que possa substitui-la, mas, como toda sociedade, o casamento depende de ambas as partes
para que seja bem sucedido e para que os obstáculos sejam vencidos.
Hoje em dia a ajuda profissional na língua portuguesa para casais e familias imigrantes está mais acessível. O importante é dar o primeiro passo.
Sandra Veiga –LICENSED MARRIAGE AND FAMILY THERAPIST – MFT 3940 Entre em contato: bridgestls.contact@gmail.com Instagram: @bridges2world (1) Brittany Blizzard and Jeanne Batalova www.migrationpolicy.com (2) Gottman, John. The Seven Principles for Making Marriage Work
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